Lampião na Serra do Catolé: 101 Anos de um Episódio Marcante do Cangaço em São José do Belmonte



No sertão pernambucano, terra de lendas, tradições e resistência, cada pedra tem uma história e cada árvore, uma memória. Um desses marcos viveu seu momento mais intenso há exatos 101 anos, no dia 23 de março de 1924, quando Virgulino Ferreira da Silva, o célebre Lampião, buscou refúgio em São José do Belmonte após um confronto sangrento com forças policiais.

A emboscada ocorreu às margens da Lagoa do Vieira, um lugar envolto em misticismo e citado até na literatura de Ariano Suassuna. Ali, o "Rei do Cangaço" foi gravemente ferido no pé durante um combate com a volante comandada pelo major Theophanes Ferraz, da Polícia de Pernambuco. Sua montaria foi alvejada e tombou sobre sua perna, agravando ainda mais sua situação.

Mesmo ferido, Lampião conseguiu escapar. O local escolhido para se esconder e iniciar sua recuperação foi a enigmática Casa de Pedra, uma gruta situada na lendária Serra do Catolé, em território belmontense. O abrigo não poderia ser mais estratégico: além de oferecer segurança natural, a gruta permite uma vista privilegiada do vale onde se encontra a icônica Pedra do Reino — cenário mítico eternizado no romance O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.

A árvore de pau-ferro, testemunha silenciosa desse momento, ainda resiste ao tempo e permanece de pé nas imediações da Lagoa. Sua sombra carrega ecos de tiros, correria e resistência, guardando uma das passagens mais simbólicas do cangaço em Pernambuco.

A própria Lagoa do Vieira carrega em si a aura do fantástico. Em seu romance, Ariano Suassuna coloca na boca do personagem Luís do Triângulo uma explicação que mistura história e lenda:

“Naquele momento, chegávamos a uma Lagoa rasa, situada à direita da estrada, Luís do Triângulo explicou:
Essa é a Lagoa do Vieira! Os Vieiras eram parentes do Rei João Ferreira e estiveram, também, metidos na ‘Guerra do Reino’! Diziam eles que esta Lagoa era encantada e que, aqui, Dom Sebastião tinha uma mina de ouro para os pobres!”

Esse trecho liga o episódio vivido por Lampião a uma tradição mítica maior, fazendo de São José do Belmonte um território onde o real e o imaginário caminham lado a lado.

Preservar a memória, valorizar o sertão

Histórias como essa precisam ser contadas, recontadas e preservadas. Elas não pertencem apenas ao passado, mas ao patrimônio vivo do nosso povo. O episódio de Lampião na Serra do Catolé é uma dessas narrativas que unem história, literatura e cultura popular — uma herança que continua a pulsar no coração do sertão.

Texto: Valdir José Nogueira de Moura
Escritor, historiador e Diretor de Cultura de São José do Belmonte

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